quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

SEM SOL - CHRIS MARKER (SANS SOLEIL-FRA-1982)


A câmera filma uma mulher da Guiné-Bissau em meio à movimentação do local.

Narração do filme: (...) parece um ritual de sedução.
Eu a vejo.
Ela me viu.
Ela sabe que eu a vejo.
Ela me oferece seu olhar mas de um ângulo que parece não se dirigir a mim e, afinal, um verdadeiro olhar. Direto. Que durou 1/25 segundos.
O tempo de uma foto.

É por meio desta relação da escolha do olhar ao objeto filmado e re-ação dos seres filmados - posto que os objetos, por inamovíveis por si só que são, tornam-se passivos - que Chris Marker tece sua relação com o tempo e as experiências culturais a ele envolvidas.

Se no ensaio O narrador, Walter Benjamin desenvolve a "experiência" como empobrecimento em um contexto de guerra - uma vez que o exemplo utilizado são os soldados que retornam dos campos de batalhas e, ao contrário da conotação de terem vivido uma experiência, observa-os reduzidos ao emudecimento, calados, sem terem o que compartilhar da experiência passada -, o cineasta que tem suas cartas lidas pela narradora do filme desenvolve o seu olhar como fonte de experiência em relação de troca tanto com 'o que' ou 'quem' é filmado quanto com o público espectador.

Transitando por Japão, Guiné-Bissau, Islândia e Estados Unidos, mais precisamente São Francisco, nos locais de filmagem de Um corpo que cai, de Hitchcock, Chris Marker nos conduz a uma exposição das culturas variantes e suas narrativas, portanto mitos, porém de modo contemplativo, sem conduzir peremptoriamente o olhar de quem o assiste. Desse modo, há uma certa disfuncionalização de nosso olhar sedento de informações instantâneas constantemente.

É nesse panorama que as imagens são pinceladas como exclusão da normatização de uma estética viciada a qual muitos de nossos olhos já se acostumaram por conta de um ritmo tornado padrão no mundo contemporâneo; entenda-se o 'corre-corre' do dia-a-dia.

Aplicando resoluções como não-pessoa e não-imagem no modo de diagramar determinadas passagens do filme, Marker opta pela desconstrução visual, expondo um novo significado das teias mnemônicas recorrentes no processamento das imagens.

Bárbara Esmenia - 22/02/2012

Quem é Chris Marker?
trecho de O passageiro do tempo - Alexandre Figueirôa

Mas afinal quem é Chris Marker? Nascido em 1921, ele nunca deu ao certo pistas sobre o local onde nasceu e é conhecido por não gostar de entrevistas. Usa pseudônimos, viaja pelo mundo, coleciona fotografias, fez dezenas de documentário em película, em vídeo, para a televisão, realizou curtas e longas, colaborou com Alain Resnais em Noite e neblina, filmou países como Cuba, China, Coreia, Japão é considerado um dos inventores do filme militante e chegou a realizar dois curtas sobre o Brasil - On vous parle du Brésil e Carlos Marighella - denunciando a tortura e a perseguição aos opositores do regime militar. Em O bestiário de Chris Marker encontramos, talvez, a melhor definição para temperamento tão inquieto: "à semelhança de um caleidoscópio, Chris Marker é inatingível". Sua luta é para dissolver os dogmas, os sectarismo, algo que pode ser muito bem avaliado nos artigos que escreveu e nos projetos audiovisuais que incluem até mesmo videoclipes e trabalhos multimídia.


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