terça-feira, 20 de maio de 2014

PARA DIANE DI PRIMA, MEU PESCOÇO CORTADO



Vivi muito para não saber mais quem somos,
Me defini nos becos ocos de periferias alagadas,
Despi minhas vestes sentindo no bico dos seios
                                            a fina brisa campestre.

Se pude ser brasa é porque de mim queimaram urtigas,
Se rude, se rasga, é porque - enfim - sobraram intrigas.

No verbo vespertino de hoje
Nenhum anseio se alastra
O tempo de quando
Do tempo que resta
é
O tempo canastra.

Saio pelas ruas à beira do nada.
A procura nem sempre encontra o buscado.

Ei, você, amiga pequena, já reparou na navalha ao lado?
Corta ela seu caminhar,
seus passos,
suas buscas,
seus passados.

Não há quem a freie, perversa, recém afiada.

Não reparou você que a navalha é meu verbo trespassado?
Minhas sílabas desconexas, afiançadas?
Meu abc primário escolarizado?
Meu grito fraco quando não te encontra nua no retorno à casa?
Minha língua impossível servida para a função da fala,
 mas também eficiente na função do sexo?

Olhe de novo. O corte já desfia o pescoço.
Escorreu líquido solto.
Penetrou nos poros frios.

O que restou desta manhã?

É terça-feira.
Terça-feira nublada.
Terça-feira perdida no meio da semana
                                                         que insiste em começar.

Agora...
Agora só me resta varrer a casa e jogar no lixo reciclável os papéis rascunhos desta escrita que não acaba.
Lavar a navalha de sangue escorrido.
Desdenhar do pescoço malcriado que desafia a lâmina afiada.
E enfim acordar.
Não tem fim.

Bom dia.

Novamente
Lá vem ele -
O pescoço teimoso - 
A desafiar a navalha cortante.


(*escrito a partir do abismo sentido ao conhecer a frase de Diane di Prima, escritora beatnik: "Tire sua garganta cortada de minha faca")



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