quarta-feira, 1 de outubro de 2014

MIRANDO JOANA

A primeira vez que vi Joana
Não, ela não percebeu que eu a espiava.
Deitou suas palmas no arrendondar dos olhos
e em leves suspiros girava os pulsos,
esfregando-os em pêndulo.

A primeira vez que vi Joana sozinha
Seu corpo magro não me deixava identificar-me com aquela falta de curvas.
Rolou a mão até a entrada da bolsa larga
e tomou para si como quem recusa afetos
uma agenda surrada.

A primeira vez que vi Joana sozinha sentada
 Saiu de seu bolso jeans um celular que,
em seguida,
numerou dígitos firmes.

A primeira vez que vi Joana sozinha sentada corpo surrado
Sua débil voz ao telefone ensaiava um pedido confuso,
Inaudível aos meus ouvidos metros distantes.

A primeira vez que vi Joana
- Manhã lenta
Viela acordada
Crianças nas escolas -
foi também a vez início
O primeiro baque,
O ver mim mesma na outra alguém.

Se antes eu não somente vizinha fosse
Os gritos constantes ouvidos,
Os estampidos secos dos punhos,
Nada não talvez pudesse ter sentido Joana

Porque eu teria sabido agir
Sem medo
Valente
Tal qual mulher que também sou
E que nas horas inertes já golpes idem recebi

Calei parada
- A figura do grão homem machado empunhando os golpes -

No entanto,
do silêncio soube eu interromper a porta fechada
- primeiro momento de Joana a me olhar -
Paspalha, indefesa, leite fervendo no fogãozinho ao canto,
na pia ainda o copo americano sujo deixado por aquele ele.

Estreitou-se ela em meu corpo com o que lhe restava de garra daqueles braços finos,
Aconchegou-se lenta pedindo proteção laroiê.

Nos vimos mulheres
encontrando um lugar comum
- dor, semente, partilha, regaço, ventre -
Ayabás reerguendo pra vida
Ponteando florins,
Pareando as flechas,
Acertando as miras.


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